O Bicho de Muitos Braços

    A menina de pijamas já estava deitada em sua cama, prontinha para dormir, mas estava incomodada em seus pensamentos. Naquele dia um coleguinha contou que foi dormir na casa da avó e que quando apagou as luzes do quarto viu um bicho muito feio, do lado de fora da janela que dava para o quintal. Segundo ele, o bicho era todo preto, grande e com muitos braços que se esticavam para todos os lados como se quisesse pegar tudo ao redor. Ele disse que deu um grito e chamou os avós, que vieram correndo, mas quando chegaram no quarto e acenderam as luzes o bicho não estava mais lá e que depois disso ele dormiu com a cortina fechada.

    A menina estava pensando que bicho seria aquele que só aparecia no escuro e que fugia da luz. Será que é um tipo de aranha-monstro? Será que ele andava por outras janelas de quintal? Será que ele iria até a sua janela? Será que era só um ou seriam muitos? Muito curiosa, a menina pediu para a bonequinha olhar pela janela para ver se o bicho não estava lá fora.

    - Não estou com medo, não. É só pra saber.

    A bonequinha, que era muito corajosa porém não era boba, se levantou e foi na pontinha dos pés olhar pela janela com muito cuidado. Ela levantou a pontinha da cortina e colocou a cabeça por baixo, para espiar. A menina ouviu um assovio e viu a mão da boneca acenando para que ela também fosse até lá. Juntas olhando por baixo da cortina, viram do lado de fora uma grande sombra larga e alta, com muitos braços se estendendo por todos os lados.

    - Eita, e agora? Será que é o monstro lá fora? - a bonequinha indagou.

    A menina respirou fundo, se encheu de coragem e disse resoluta:

    - Vamos descobrir!

    Indo até o baú de coisas importantes a menina pegou sua lanterninha, colocou seu chapéu e sua bolsinha de aventureira e amarrou um lenço vermelho no pescoço da boneca, assim, se precisasse de ajuda a boneca estaria com a capa de super poderes e poderiam sair voando dali.

    A menina abriu a janela, esperou a boneca descer na frente e desceu também. Com sua lanterninha em mãos, a menina ia devagarinho iluminando o chão para não tropeçarem. A medida que iam caminhando pelo quintal o bicho de muitos braços parecia maior e maior. A bonequinha tremia de medo a cada sopro do vento e via o grande bicho se sacudir.

    - Segura minha mão? - ela pediu. E seguraram a mão uma da outra - Assim você consegue ir com menos medo.

    - Eu estou com medo também - disse a menina - mas lembra o que aprendemos sobre coragem?

    - Coragem não é não ter medo. Coragem é enfrentá-los.

    As duas se aproximam do grande desconhecido à frente sem soltar as mãos, passo a passo indo mais próximo de descobrir o que era o tal monstro do escuro.

    - Vamos devagarzinho para o monstro não notar que estamos chegando.

    A menina combinou que, na hora certa, ela gritaria ‘Já!’ e apontaria sua lanterna para a sombra. Por sua lanterninha ser muito pequena não iluminava à distância, por isso ela queria chegar perto o suficiente para ver bem o rosto do monstro e ver a cara de medo dele quando ela colocasse uma luz bem no focinho feio dele. Mas mesmo chegando com a lanterninha acessa, aquela sombra enorme, com seus muitos braços compridos apenas sacudia-se para cima, como se levantasse todas as mãos para o céu de uma vez só. Não parecia querer fugir para lugar nenhum. Quando elas já estavam quase aos pés da grande sombra, trocando um rápido olhar e gritaram juntas:

    - JÁ!

    A menina apontou a lanterninha para o alto e “Oh!”, o espanto. Era apenas o pé de Manga do quintal! A luz da lanterninha varreu o tronco de cima a baixo e viam apenas a casca grossa da mangueira, galhos e muitas folhas.

    - Onde está o monstro? - a boneca reclamou desapontada.

    As duas ouviram então uma voz muito suave e grave:

    - Monstro? Tem um monstro aqui?

    Espantadas elas viram que a árvore estava falando!

    - Você é um monstro, Mangueira? - a menina ainda não estava muito certa se aquilo não seria um disfarce, apesar de saber que monstros fogem da luz e aquela árvore não parecia disposta a sair dalí.

    A voz da Mangueira soava um pouco chateada.

    - Poxa vida, não acredito que vocês me confundiram com um monstro, pessoal. Logo eu, sua velha amiga!

    - É, Mangueira, pensamos sim... - a menina ainda estava desconfiada que a árvore poderia afinal se transformar num bicho galhudo e malvado, já que ela parecia tão assustadora no escuro.

    A bonequinha, que àquela altura já estava cutucando a casca da árvore para ter certeza que era a Mangueira verdadeira falou:
    
    - Nós vimos a sua sombra assustadora cheia de braços e mãos para cima, balançando. E não dava para ver nada através de você, era tudo escuro!

    A árvore começou a rir alto, mas cortou a risada e disse diminuindo o volume da voz:

    - Mas é claro, pessoal... Eu sou uma árvore de dia, mas de noite eu sou uma casa! É difícil enxergar aqui entre meus galhos e folhas, mas como você trouxe sua lanterninha, se prometerem fazer silêncio, mostro para vocês.

    A menina pensou e assentiu com a cabeça para a árvore, olharam para a boneca que fez sinal de silêncio com a mãozinha na frente da boca. As amigas viram então a árvore descer um grande galho, como um braço longo com uma grande mão aberta indo até o chão. Elas subiram e sentaram, balançando as perninhas e se segurando nos longos dedos de madeira da Mangueira que as levou até a copa.

    Falando baixinho, a grande árvore chamou a atenção das crianças para os cantinhos escuros de seus galhos. Alí elas tiveram uma grata surpresa. Em ninhos quentinhos, bem fechados de palhas e penas, viam o suave balanço da respiração de inúmeros passarinhos. Suas cabeças baixas e olhinhos fechados. Alguns em pares, alguns cobrindo filhotinhos que dormiam entre as asas das mamães.

    - Passarinhos! - a bonequinha, enternecida, soltou um gritinho aspirado.

    - Sim - respondeu a bondosa árvore. - Meus galhos fechados com folhagens escuras protegem todas essas famílias da luz, dos ventos e da chuva. Vejam, não são só eles que vivem aqui.

    Descendo pelo tronco uma linha de formiguinhas levava pedacinhos de flores para dentro de um formigueiro ao pé da árvore. Suavemente a planta desceu um galho próximo a elas e lhes mostrou uma coisa incrível:

    - Vejam debaixo dessas minhas folhas, são casulos de borboletas. Elas dormem aqui sob minhas folhas enquanto deixam de ser lagarta e esperam estar prontas para voar.

    A menina apontava sua lanterninha por todos os galhos que pareciam tão escuro quanto quando estava distante, porém agora, no lugar de assustador, cada lugar que iluminava acendia uma joaninha descansando, uma borboleta pousada, lagartinhas entre o oco de alguns galhos e ninhos ocupados com passarinhos de olhos fechados e respirando profundamente.

    Ouviam até mesmo um ressonar suave de vários apitinhos que depois entenderam, eram passarinhos roncando baixinho… uma brisa suave balançava as folhas e a mão da árvore começou a embalar as duas, para lá e para cá, tão gostoso que fecharam os olhinhos para sentir melhor o vento perfumado das flores da grande árvore e se aconchegaram, cobrindo-se com o lençol fofinho e a cabeça no seu travesseiro enquanto, do quintal a boa árvore já não era mais assustadora.

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