O Bicho de Muitos Braços

    A menina de pijamas já estava deitada em sua cama, prontinha para dormir, mas estava incomodada em seus pensamentos. Naquele dia um coleguinha contou que foi dormir na casa da avó e que quando apagou as luzes do quarto viu um bicho muito feio, do lado de fora da janela que dava para o quintal. Segundo ele, o bicho era todo preto, grande e com muitos braços que se esticavam para todos os lados como se quisesse pegar tudo ao redor. Ele disse que deu um grito e chamou os avós, que vieram correndo, mas quando chegaram no quarto e acenderam as luzes o bicho não estava mais lá e que depois disso ele dormiu com a cortina fechada.

    A menina estava pensando que bicho seria aquele que só aparecia no escuro e que fugia da luz. Será que é um tipo de aranha-monstro? Será que ele andava por outras janelas de quintal? Será que ele iria até a sua janela? Será que era só um ou seriam muitos? Muito curiosa, a menina pediu para a bonequinha olhar pela janela para ver se o bicho não estava lá fora.

    - Não estou com medo, não. É só pra saber.

    A bonequinha, que era muito corajosa porém não era boba, se levantou e foi na pontinha dos pés olhar pela janela com muito cuidado. Ela levantou a pontinha da cortina e colocou a cabeça por baixo, para espiar. A menina ouviu um assovio e viu a mão da boneca acenando para que ela também fosse até lá. Juntas olhando por baixo da cortina, viram do lado de fora uma grande sombra larga e alta, com muitos braços se estendendo por todos os lados.

    - Eita, e agora? Será que é o monstro lá fora? - a bonequinha indagou.

    A menina respirou fundo, se encheu de coragem e disse resoluta:

    - Vamos descobrir!

    Indo até o baú de coisas importantes a menina pegou sua lanterninha, colocou seu chapéu e sua bolsinha de aventureira e amarrou um lenço vermelho no pescoço da boneca, assim, se precisasse de ajuda a boneca estaria com a capa de super poderes e poderiam sair voando dali.

    A menina abriu a janela, esperou a boneca descer na frente e desceu também. Com sua lanterninha em mãos, a menina ia devagarinho iluminando o chão para não tropeçarem. A medida que iam caminhando pelo quintal o bicho de muitos braços parecia maior e maior. A bonequinha tremia de medo a cada sopro do vento e via o grande bicho se sacudir.

    - Segura minha mão? - ela pediu. E seguraram a mão uma da outra - Assim você consegue ir com menos medo.

    - Eu estou com medo também - disse a menina - mas lembra o que aprendemos sobre coragem?

    - Coragem não é não ter medo. Coragem é enfrentá-los.

    As duas se aproximam do grande desconhecido à frente sem soltar as mãos, passo a passo indo mais próximo de descobrir o que era o tal monstro do escuro.

    - Vamos devagarzinho para o monstro não notar que estamos chegando.

    A menina combinou que, na hora certa, ela gritaria ‘Já!’ e apontaria sua lanterna para a sombra. Por sua lanterninha ser muito pequena não iluminava à distância, por isso ela queria chegar perto o suficiente para ver bem o rosto do monstro e ver a cara de medo dele quando ela colocasse uma luz bem no focinho feio dele. Mas mesmo chegando com a lanterninha acessa, aquela sombra enorme, com seus muitos braços compridos apenas sacudia-se para cima, como se levantasse todas as mãos para o céu de uma vez só. Não parecia querer fugir para lugar nenhum. Quando elas já estavam quase aos pés da grande sombra, trocando um rápido olhar e gritaram juntas:

    - JÁ!

    A menina apontou a lanterninha para o alto e “Oh!”, o espanto. Era apenas o pé de Manga do quintal! A luz da lanterninha varreu o tronco de cima a baixo e viam apenas a casca grossa da mangueira, galhos e muitas folhas.

    - Onde está o monstro? - a boneca reclamou desapontada.

    As duas ouviram então uma voz muito suave e grave:

    - Monstro? Tem um monstro aqui?

    Espantadas elas viram que a árvore estava falando!

    - Você é um monstro, Mangueira? - a menina ainda não estava muito certa se aquilo não seria um disfarce, apesar de saber que monstros fogem da luz e aquela árvore não parecia disposta a sair dalí.

    A voz da Mangueira soava um pouco chateada.

    - Poxa vida, não acredito que vocês me confundiram com um monstro, pessoal. Logo eu, sua velha amiga!

    - É, Mangueira, pensamos sim... - a menina ainda estava desconfiada que a árvore poderia afinal se transformar num bicho galhudo e malvado, já que ela parecia tão assustadora no escuro.

    A bonequinha, que àquela altura já estava cutucando a casca da árvore para ter certeza que era a Mangueira verdadeira falou:
    
    - Nós vimos a sua sombra assustadora cheia de braços e mãos para cima, balançando. E não dava para ver nada através de você, era tudo escuro!

    A árvore começou a rir alto, mas cortou a risada e disse diminuindo o volume da voz:

    - Mas é claro, pessoal... Eu sou uma árvore de dia, mas de noite eu sou uma casa! É difícil enxergar aqui entre meus galhos e folhas, mas como você trouxe sua lanterninha, se prometerem fazer silêncio, mostro para vocês.

    A menina pensou e assentiu com a cabeça para a árvore, olharam para a boneca que fez sinal de silêncio com a mãozinha na frente da boca. As amigas viram então a árvore descer um grande galho, como um braço longo com uma grande mão aberta indo até o chão. Elas subiram e sentaram, balançando as perninhas e se segurando nos longos dedos de madeira da Mangueira que as levou até a copa.

    Falando baixinho, a grande árvore chamou a atenção das crianças para os cantinhos escuros de seus galhos. Alí elas tiveram uma grata surpresa. Em ninhos quentinhos, bem fechados de palhas e penas, viam o suave balanço da respiração de inúmeros passarinhos. Suas cabeças baixas e olhinhos fechados. Alguns em pares, alguns cobrindo filhotinhos que dormiam entre as asas das mamães.

    - Passarinhos! - a bonequinha, enternecida, soltou um gritinho aspirado.

    - Sim - respondeu a bondosa árvore. - Meus galhos fechados com folhagens escuras protegem todas essas famílias da luz, dos ventos e da chuva. Vejam, não são só eles que vivem aqui.

    Descendo pelo tronco uma linha de formiguinhas levava pedacinhos de flores para dentro de um formigueiro ao pé da árvore. Suavemente a planta desceu um galho próximo a elas e lhes mostrou uma coisa incrível:

    - Vejam debaixo dessas minhas folhas, são casulos de borboletas. Elas dormem aqui sob minhas folhas enquanto deixam de ser lagarta e esperam estar prontas para voar.

    A menina apontava sua lanterninha por todos os galhos que pareciam tão escuro quanto quando estava distante, porém agora, no lugar de assustador, cada lugar que iluminava acendia uma joaninha descansando, uma borboleta pousada, lagartinhas entre o oco de alguns galhos e ninhos ocupados com passarinhos de olhos fechados e respirando profundamente.

    Ouviam até mesmo um ressonar suave de vários apitinhos que depois entenderam, eram passarinhos roncando baixinho… uma brisa suave balançava as folhas e a mão da árvore começou a embalar as duas, para lá e para cá, tão gostoso que fecharam os olhinhos para sentir melhor o vento perfumado das flores da grande árvore e se aconchegaram, cobrindo-se com o lençol fofinho e a cabeça no seu travesseiro enquanto, do quintal a boa árvore já não era mais assustadora.

A galinha



   Naquela noite a menina de pijama estava muito feliz, pois aquele dia foi especial: na escolinha houve uma festa de aniversário com o tema dos bombeiros e um bombeiro de verdade foi até lá conversar com as crianças. Ela aprendeu sobre os perigos do fogo, de subir sozinha em lugares altos e que os bombeiros são pessoas que treinam muito para fazer resgates e nos deixar a salvo e seguros.

   Também foi especial pois já a alguns dias ela não podia brincar com sua boneca, ela fora desobediente e ficou sem poder brincar com ela, mas já passou.

   Estavam as duas deitadas na caminha, menina e boneca, bem confortáveis, cobertas com o cobertor mais fofinho, lembrando das lições dos bombeiros, quando ouviram um "cócócócócó". Elas seguiram o som para descobrir de onde vinha o cacarejo, afinal, não viam nenhuma galinha.

   Chegaram a um lindo castelinho, todo amarelo com telhas em formato de penas e janelinhas redondas como ovos. Da janela elas viram uma galinha e um galo, ele com uma linda capa e uma coroa de rei e a ela com um capacete e casaco de bombeira. Eles estavam conversando:

   - Cócó cóóóóó cócó!

   - Có! Có, có?

   Mas o engraçado é que entendiam tudo, e a conversa ia assim:

   - Hoje vai ser a grande festa do batalhão de bombeiros! Irei cedo, pois preciso ajudar meus colegas!

   - É mesmo, querida irmã! Eu levarei todos do castelo comigo, combinado?

   A menina e a boneca viram a galinha bombeira sair do castelo toda saltitante, e a seguiram, pois uma festa sempre é mais divertida que um castelo.

   Chegando lá elas viram a galinha bombeira parar em frente a um enorme bolo, com muitas velas em cima, balões coloridos presos ao redor da mesa e muitos animais bombeiros arrumando a festa.

   A boneca ficou agitada, e puxava a mão da menina para irem até lá, mas a menina disse para ela que não entramos em festas sem sermos convidadas. É falta de educação. Mas a boneca se soltou da mão da menina e correu para perto do bolo.

   Consternada com a desobediência da boneca, a menina foi chegando perto de onde estava o bolo e foi pedindo desculpas aos animais bombeiros pois sua boneca entrara sem pedir licença e parecia uma doidinha correndo por todo canto tentando ver tudo. A Bombeira Raposinha era a chefe dos bombeiros e foi até ela. Disse à menina para não se preocupar, pois a festa era para toda a cidade, mas que segurasse a mão da boneca firme, pois os carros de bombeiro iriam passar por alí e podia ser perigoso para uma bonequinha distraída.

   No meio de toda aquela arrumação, a galinha bombeira estava encantada com todas as velas do bolo. Ela pediu aos colegas para acender as velas mas, por não alcançar o topo, pediram para ela distribuir os livretos de segurança dos bombeiros, pois ela ainda não tinha treinamento para acender as velas. Ora, ela imaginava que, por ser bombeira, não iria se machucar. Então pensou consigo mesma:

   - Vou puxar uma cadeira, subir segurando os fósforos e acender as velas. Que dificuldade há nisso?

   Quando estava na pontinha dos pés, acendendo apenas a segunda velinha, o fogo tocou em um balão. Ele explodiu assustando a galinha que deu um pulo, soltou o fósforo e ele caiu bem nas peninhas de sua cauda. Ela sentiu o cheiro da fumaça e viu o fogo no bumbum e se desesperou, correndo e gritando:

   - FOGO!! FOGO!! CHAMEM OS BOMBEIROS!!

   Ela se assustou tanto que saiu do batalhão. Seus colegas viram aquilo e rapidamente entenderam o perigo que a galinha corria. A Bombeira Raposinha ordenou:

   - Borboletinha bombeira, voe até o caminhão, você dirige. Bombeiro Urso, venha comigo! Vamos apagar um incêndio galinácio! Bombeira tartaruga, você fica aqui e cuida para que todos se acalmem e não haja mais acidentes! Vamos!

   Por sorte, a bonequinha passou naquele instante bem perto delas e a Bombeira Raposinha, muito ágil, enquanto corria para o caminhão segurou a bonequinha e deu no colo da menina, que agradeceu e a segurou firme. A menina de pijamas ficou muito assustada com o acidente da galinha e abraçou forte sua amiga de pano, imaginando que horror se ela também tivesse se machucado com a correria que aconteceu.

   A essa altura a galinha notou que estava saindo de perto dos bombeiros e correu de volta! O caminhão partiu com sua sirene ligada atrás da galinha, mas andou só um pouco e parou pois a galinha já estava voltando. Os bombeiros Raposinha e Urso desceram rápido, pegaram a mangueira de incêndio, apontaram para o rabicó de penas e “CHUAAA!” um jato forte atingiu em cheio a galinha que acabou toda ensopada e ainda precisou de um enorme curativo no bumbum, que ficou bastante dolorido. 

   Nesse instante a multidão que observava tudo se abriu e bem do meio o Rei Galo, irmão da bombeira galinha e líder de todas aquelas terras, apareceu ao lado da Bombeira Raposinha. Os dois estavam com uma expressão muito séria no rosto. A menina lembrou da expressão que seus pais fazem quando ela apronta alguma confusão.

   A bombeira Raposinha, sua chefe, ainda com os pelos arrepiados da emoção e da correria, falou brava:

   - Bombeira Galinha, você está com o bumbum machucado. Não poderá participar da festa dos bombeiros. E por conta da grande confusão que causou, terá que ficar um mês inteiro sem participar das atividades da corporação.

   - Mas foi sem querer. Eu só queria ajudar. - disse a galinha.

   - Eu sei - respondeu a Raposinha, já mais calma - mas sua indisciplina pôs todos em risco.

   A galinha ficou com o bico baixo, triste e envergonhada. Seu irmão, o Rei Galo, era condescendente mas firme e disse com uma voz doce:

   - Bombeira galinha, minha irmã, você foi imprudente e causou um grande acidente.  Desobedeceu, não pediu ajuda e fez algo para o qual não estava treinada. Quase caiu sobre o bolo, coloco outros em risco e ainda se machucou. Você deveria ser um exemplo, pois toda irmã de rei é uma princesa e você é uma princesa especial, pois tem a profissão mais nobre do reino. Por isso, você ficará sem poder ir para as próximas festas, também.

   - Eu sinto muito… mas não foi engraçado? - disse a galinha, baixinho.

   Bastou apenas um olhar ao redor e ver que a festa estava com o chão molhado, balões estourados e ela mesma machucada, para ela entender que com certas coisas não se deve brincar.

   Todo o reino ficou triste pela galinha, mas entendia que ela precisava de tempo para perceber o quão grave fora sua estripulia. Até a menina, que ainda segurava sua boneca firmemente, entendeu que não te deixarem fazer algumas coisas pode parecer chato, mas é uma forma de cuidado, e que, quando fazemos algo errado pode ser importante se afastar por um tempo para se refletir e perceber que as regras e limites existem para proteger.

   A menina deu um beijinho na testa da boneca e disse que se comportasse bem e que de agora em diante as duas iriam fazer o possível para não criar confusão. Ela lembrou que seus pais também falam com calma mesmo quando se irritam e que isso parecia com todo o carinho que a galinha bombeira recebia, pois só queriam vê-la segura. Elas se abraçaram forte, relaxando depois de tanta emoção, se sentindo seguras, confortáveis e protegidas, envoltas num macio lençol, deitadinhas no quarto da menina.


Vozes no Escuro

   Já era noite e a menina de pijama estava muito cansada.

   Ela havia acordado bem cedinho para ir para a escolinha. Nesse dia ela brincou muito e aprendeu o nome dos sons de alguns animais, como por exemplo, que o au-au do cachorro se chama latido, que o miau dos gatinhos é o miado, que a galinha cacareja, o pintinho pia e que a vaca muje. A menina de pijama já havia jantado, escovados os dentinhos e estava deitada o seu quarto, de olhos fechadinhos e toda relaxada.

    Já estava quase dormindo quando ouviu um barulhinho "txtxtxtx" beeeem baixinho... "Txtxtxtxtx...". Aquilo parecia um chiadinho agudo ou uma musiquinha longe, longe. Pensou "que barulhinho mais chato.. quero dormir..." mas o barulhinho não parava e ela apurou os ouvidos, prestando atenção "txtxtxtxtx" "txtxtxtx".

   Parecia que quanto mais prestava atenção, melhor ela ouvia. Atenção: “txtx txi txi txi tanto que ela mesma foi até lá e pegou”. Ué! Era uma voz?

   Tentou ouvir melhor e conseguiu entender as palavras que ouvia: "sim, cuito corajosa, ela mesma colocou a formiga na mão e deixou do lado de fora da janela!" e outra voz muito fininha respondia "oh! Incrível!".

   A menina de pijama abriu os olhos, mas estava escuro e ela não conseguia ver bem. Então, abriu um pouquinho a cortina da janela e um pouco de luz entrou pelo quarto. Ela então viu no cantinho do teto, muito faceiras conversando, duas lagartixinhas, dessas branquinhas e sempre assustadas, que vivem escondidas pelos cantinhos da casa.

   A menina estava bastante irritada pois queria dormir. Levantou de mansinho e foi até debaixo delas com uma lanterninha. Chegando perto acendeu a luz e falou: 'Ei, lagartixas! Falem baixo!'. E só depois ela percebeu que.. 'Espera lá... lagartixa fala?’ As lagartixas congelaram de susto!

   Uma ficou tão assustada que parecia mais branca que o teto mas a outra apesar do susto começou a falar muito rápido e a sacudir seu rabinho como se fosse um leque alvoroçadamente "não machuque a gente! por favor! eu juro que nunca mais falo alto na vida! por favor não nos MACHUUUUUQUEEEEEEEEE!!!!!"

   A menina entendeu que elas estavam assustadas, pois lagartixas, geralmente, são bichinhos que vivem escondidos e nunca deixam ninguém chegar perto, quanto mais ouvir a conversa delas. "Calma, lagartixa, não vou machucar vocês.. desculpe se assustei.. Mas é que eu estou tentando dormir e vocês não deixam! Nunca vi lagartixa fazer barulho, quanto mais ser tagarela assim."

   A lagartixa congelada de medo não se mexeu, mas deu um cutucão de rabo na amiga e falou de cantinho de boca: "bem que falei que você precisa melhorar seus modos!". Mesmo com tanto medo, a lagartixinha medrosa juntou toda sua coragem, virou-se pra menina e pediu: "nos desculpe, garotinha.. minha amiga estava muito empolgada contando que você é muito corajosa, que tira os insetos com a mão e que aqui no seu quarto é um lugar onde apenas as lagartixas mais habilidosas encontram alguma coisa para comer."

   A menina perguntou "E o que vocês comem?" A lagartixa tagarela, dando um empurrãozinho com seu rabo, afastou a amiga e tornou a falar sem parar "nós comemos todos os bichinhos que incomodam: aqueles mosquitos que picam e deixam coceira; as moscas que ficam tentando pousar na comida; algumas aranhas gordinhas, pra diminuir a concorrência, você sabe como é; borboletas color..." A menina fez uma cara de brava interrompendo "Borboletas?! Eu gosto de borboletas!"

   Imediatamente a lagartixa mais quieta corrigiu "Nós, de dentro de casa, não comemos borboletas" e olhou para a amiga muito séria, com vontade de amarrar aquele bocão falador. Mas a lagartixa tagarela nem se incomodou e prosseguiu "isso.. dentro de casa não comemos borboletas e eu não gosto de ficar lá fora. As vezes mariposinhas dessas que se batem na lâmpada e só."

   A menina perguntou, preocupada: "E os tatuzinhos, aqueles que viram bolinhas?"

   A lagartixa tagarela respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo: "Mas claro que não! Os tatuzinhos são como nossos bichinhos de estimação e gostam de brincar como bolas de gude.. Mas às vezes a outra bola é um amigo ou parente e ao invés de um empurrão eles se abraçam e ficam conversando."

   A menina ficou um pouco desconfiada se a lagartixa já estaria inventando só para não dizer que também comia os tatuzinhos, mas não tinha como dizer se aquilo era mesmo sério ou brincadeira. O que ela sabia era que estava ficando tarde e ela estava com muito sono, então resolveu pôr um fim naquela conversa maluca. "Pois então, queridas lagartixas, que tal vocês falarem um pouco mais baixo para que eu possa dormir?"

   A lagartixa mais quietinha olhou para a amiga e colocou a ponta do rabinho bem na frente da boca dela deixando claro que iriam fazer silêncio "claro, menininha. nos desculpe, já estamos saindo", mas a tagarela não se conteve "claro!! A gente pode voltar outro dia pra conversar e se conhecer melhor e talvez até tomar um chá de moscas com perninhas de aranha! Você talvez goste de provar uma bolinha de ta.. opa, uma asinha de mosquito, ou de um bumbum de mosca, o que acha?".

   A menina achou o convite absurdo mas apenas sorriu e educadamente falou "obrigada, lagartixa, mas agora, por favor.. Silêncio." Ela apagou a lanterna e foi fechar a cortina da janela para voltar a deitar, enquanto as lagartixinhas saiam pelas sombras de volta para as frestas da casa, uma dizendo para a outra que não podiam fazer tanto barulho.. e um chiadinho de discussão ia ficando longe e baixinho... e o soninho ia voltando... até que a menina, deitada, dormiu profundamente segura que não haveria alí, nenhum mosquito para zumbir no seu ouvido.

Lençol de Folha

   Naquele dia a menina estava bem feliz e bastante cansada pois ela teve um dia muito bom.

   Fizera um picnic na escola e a professora explicou que as borboletas que pousavam nas flores do jardim também estavam lanchando. Aquilo foi muito emocionante, pois se era assim, as borboletas fizeram um picnic junto com todas as crianças da sua turma.

   A menina de pijama estava deitada em sua caminha pensando em como as borboletas voavam livres, balançando com o vento, entre as plantas. De olhos fechados, ela lembrava que do lado de fora de sua janela havia um belo conjunto de vasos com flores coloridas: algumas eram violetas, outras vermelhas com um miolinho amarelo, outras flores eram brancas com borda cor de rosa.

   A menina pensou tanto nas flores que quase conseguia sentir o perfume e as pétalas macias ao alcance das mãos. Então sentiu um toque de leve no seu ombro. Ela olhou para trás e viu que duas lindas asas coloridas estavam bem ali nas costas do seu pijama. E que ela mesma estava pequenina sobre uma folha grande e macia. Um coro de vozes baixinhas e agudas a rodeava “Vamos! Não precisa de força, é só jeitinho! Bata suas asas! Vamos!” 

   Ela então concentrou-se em mover ao mesmo tempo suas graciosas asinhas coloridas. Foi só conseguir batê-las ao mesmo tempo que a menina já estava flutuando pelo céu.
Houve uma festa de gritinhos e pequenos apitos de comemoração pelo primeiro vôo da borboleta de pijama! (você sabe que as borboletas têm pequenas trombas parecidas com as de elefante e quando estão muito felizes elas sopram com força e parece um apitinho e foi isso que aconteceu). “Vamos! Vamos! Venha conhecer as flores!” dizia o coral de trombinhas ao seu redor.

   Ela seguiu a festiva nuvem colorida de novas amigas enquanto sentia suas asinhas ganharem mais habilidades. Um vento soprou de baixo e ela sentiu-se dar uma pirueta no ar!

   A brisa era suave e quando passava por entre as flores, que agora pareciam gigantes, era como uma onda de perfumes. 

   A menina sentia-se leve e se deixou levar para cima e para baixo, suavemente, até que subiu… subiu… e pode ver seu jardim do alto, com a grama e um pouco de capim crescendo perto da cerca, a casinha do cachorro e até mesmo a janela do seu quarto e sua cortina colorida do lado de dentro.. A menina queria voar alto e alto, e ver toda a casa.. Ela subiu um pouco mais e viu sua bicicleta encostada na parede, parecia bem pequenininha..  

   Viu o telhado de sua casa, viu as árvores ficarem pequeninas e até mesmo um gatinho passeando pelos telhados vizinhos. Ela queria ver a rua e subiu um pouco mais. Ela viu uns carrinhos passarem, ela estava tão alto que pareciam de brinquedo, pequeninos com pessoinhas pequeninas dentro deles.. Ela queria ver os quintais dos vizinhos, o mercadinho, a escola e toda a cidade…

   Enquanto subia notou que estava mais escuro e que não haviam mais muitas borboletas por perto. Ela viu que a nuvem colorida de borboletas estava descendo para perto das flores novamente. Ela ouviu um som de música, que parecia uma canção de ninar “hmm.. hmm..hmm.. hmm…’ e percebeu que as borboletas foram pousando todas nas folhas de um arbusto.

   Ela desceu devagarinho, observando todos os detalhes durante o seu vôo, talvez encontrasse a bola que perdeu outro dia. Enquanto isso, ela sentia que o escuro a deixava mais pesada e com vontade de ficar paradinha..

   Sua novas amigas borboletas estavam abrindo e fechando suas asinhas devagar, como se estivessem se espreguiçando.. E esticavam suas trombinhas, como se estivessem bocejando.. E suas patinhas de borboleta se seguravam firmemente debaixo de alguma folha grande o suficiente para cobri-las.

   Ela sentiu que o sereno da noite estava chegando e um friozinho gelado passava por seus pés. Procurou uma folha e encontrou uma bastante larga, verde escura com manchinhas de verde mais claro, muito bonita. Se equilibrou de cabeça para baixo como as outras borboletas e notou que seus pezinhos agora estavam agarrados nas bordas como presilhas de cabelo. Ela puxou as bordas para perto, parecendo um canudinho, que fazia para ela uma casinha confortável e protegida do frio e do sereno. Sentiu novamente seu corpo relaxar, deitada e bem coberta.

   Ela nem percebeu, mas estava de volta à sua caminha, bem confortável com seu pijama, enrolada em seu lençol, dormindo.

O Passeio




Era uma noite tranquila. A menina de pijamas havia tido um dia maravilhoso na casa da sua avó: brincou com bonecas, comeu bolo com chá, aprendeu a colocar os paninhos da mesa do almoço no lugar correto, correu bastante no quintal e ainda jantou uma sopa maravilhosa.

A menina de pijamas já estava deitadinha em sua cama, sonolenta e relaxada, até que ela ouviu uma risadinha engraçada vindo logo ali do seu lado.


A menina, sempre curiosa, levantou um pouquinho para olhar o que era. Não viu nada então perguntou: “Quem está rindo?”.


A resposta veio em outro sorriso e uma voz que ela sempre ouvira apenas em sua imaginação a respondeu “Sou eu, aqui na casinha! Venha também!” . A menina levantou um pouco mais a cabeça sem acreditar no que ouviu.

Ora essa! Era a sua boneca de pano, abrindo a porta da casinha de bonecas para uma fila de bichinhos de borracha e de pelúcia entrarem. A menina arregalou os olhos espantada. Nunca imaginou que seus brinquedos pudessem dar uma festa!

A boneca segurou na mão da menina e juntas elas entraram na casinha de bonecas.


Lá dentro os brinquedinhos de apertar, as pelúcias e até mesmo a boneca que foi de sua avó e nunca saia da prateleira, estavam sentadas à mesa, comportadas e sorridentes, tomando chá e comendo bolinhos. Que festa legal!


A menina estava sem fome e educadamente recusou um pedaço do bolinho que um ursinho ofereceu, mas tomou um golinho do chá numa minúscula xícara que parecia de brinquedo até mesmo para os brinquedos.

Ela notou que as bonecas estavam do seu tamanho, ou melhor, ela estava do tamanho das bonecas, e pode dar um grande abraço em todas as suas amigas. Algumas eram macias, outras eram emborrachadas, algumas até mesmo um pouco duras, como a tal boneca da vovó, mas todas deram abraços de amizade sincera.

Nesse momento um carrinho sorridente com rodinhas que brilham parou bem ao seu lado, buzinando "Bi bi!" abriu a porta e piscou seus faróis, convidando a menina para um passeio.


Ela subiu no carrinho e puxou um pequeno cinto de segurança colorido. Na mesma hora o carrinho acelerou muito rápido, correndo entre os pés da cama, passando por montanhas de roupa no chão, fazendo manobras radicais ao redor dos sapatos e até subindo nas paredes!


O carrinho subiu pelas paredes até o teto, onde duas lagartixas que conversavam numa fresta quase caem pulando de susto! . Ela deu tchauzinhos e as lagartixas sumiram fugindo da agitação.

O carrinho correu como o vento subindo a prateleira dos livros, se sacudindo todo passando pelas lombadas de vários tamanhos e a menina ria de doer a barriga com tanta emoção!
Ao chegar à janela o carrinho foi mais devagar para a menina poder ver todo o jardim. Qual não foi sua surpresa ao ver que sua estrelinha musical estava sentada no parapeito e lhe deu um alô com seus sons de plim-plim! A menina desceu do carrinho e subiu na estrelinha, que alçou voou pelos ares, rodopiou como um peão e num giro chegou até a Lua.

A menina nunca imaginou ir tão alto, vendo a cidade inteira como luzes de pisca-pica pequeninas, lá embaixo. A Lua, que parecia dura vista pela janela de casa, era um grande travesseirão redondo, que a estrelinha pulou e pulou “Bóim! Bóim! Bóim!”  fazendo os cachinhos dos cabelos da menina pularem junto. No maior pulo elas pegaram um grande impulso e foram parar numa constelação. A menina pulou de pé em pé nas estrelinhas. 

Pulinho aqui "Plim-plim" da estrelinha. 

Pulinho alí "Plim-plim-plim". 
Se equilibrando numa e n’outra com um pé e depois o outro.

A menina subiu novamente na sua estrelinha de passeio e dessa vez foram macias, lentamente, descendo até as nuvens.

Que gostoso descobrir que as nuvens tem cheirinho de sopa. Isso mesmo: as nuvens eram feitas da fumacinha que sobe quando o vovô faz uma sopa na panela e tira a tampa para provar, e ficam com aquele cheirinho gostoso passeando pelo céu.

Ela desceu naquela maciez com cheirinho de casa, e tudo era tão fofinho que ela quis deitar e rolar.

A menina de pijamas ficou tão confortável na nuvem, que rolou um pouco, mais um pouco e foi sendo abraçada por toda aquela fofura morna e macia até que parou apenas para sentir aquele abraço gostoso no céu.

Ela nem notou que já estava dormindo, que todo o seu quarto estava quietinho e que ela sorria feliz e dormia tranquila.

Apresentando A Menina de Pijama

Olá leitor,

Estas histórias são para ajudar você e sua pessoinha em criação a dividirem uma boa leitura ao pé da cama, antes de dormir.
A Menina de Pijamas é uma série de aventuras de uma menininha que, antes de dormir, reflete sobre seu dia e abstrai na fantasia a compreensão de suas dúvidas e experiências.
Cada historinha foi feita pensando em ajudar as crianças (meus filhos) a relaxarem no final de cada aventura contada e se prepararem para que elas mesmas possam viver seus sonhos em suas caminhas.

Os temas também foram elaborados para auxiliar os adultos a habituar a criança a refletir sobre os acontecimentos e aprendizados do dia a dia.

Bons sonhos,

Alyne MR Soares

- mãe, publicitária, escritora e contadora de histórias.